ACESSEM TAMBÉM NOSSO SITE:

http://ctsiufpr.intuitwebsites.com


Nele vocês encontram revisões sobre temas frequentes na prática médica, desafios diagnósticos de imagens, links úteis, atualizações médicas. Entrem e confiram!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

AFINAL, O QUE É KPC?


        KPC - Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase. Esse é o nome da enzima produzida pelo gene de mesmo nome por algumas enterobactérias. Ocorre predominantemente em cepas de K. pneumoniae, é verdade, porém já foi isolada em espécies de Enterobacter, Escherichia coli, Salmonella enterica, Proteus mirabilis e Citrobacter freundii. Posteriormente, essa enzima também foi encontrada em cepas de Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumaniiA KPC é codificada em plasmídios que podem ser transmitidos entre as bactérias.
     
       Carbapenemases são beta-lactamases que hidrolisam carbapenêmicos, além da maioria dos beta-lactâmicos. KPC é a mais comum dessas beta-lactamases, porém existem outras, como IMP, VIM, NDM e OXA, entre outras. O diferencial da KPC é ser a mais frequente, responsável por grandes surtos mundiais e a única delas identificada no Brasil até agora. Em 1993, foi identificada a primeira carbapenemase (não-KPC), em 1996 a primeira KPC e em 2005 ela chega ao Brasil, no estado de São Paulo.
       
      A avaliação de alguns relatos isolados ou pequenas séries de pacientes tratados para infecções por bactérias KPC mostram um sucesso considerável (>70%) com o uso de aminoglicosídeos, tigeciclina e o uso de polimixinas associadas com outros antibióticos. O uso de carbapenêmicos mostrou um sucesso de até 40% e polimixina isolada de 14%. A mortalidade de pacientes com infecções relacionada à KPC é em geral maior que 50%.

      Portanto, nem toda KPC é K. pneumoniae e pode-se ter K. pneumoniae resistente a carbapenêmicos que não é KPC!

Emerging Infectious Diseases Vol. 17, No. 10, October 2011
Braz J Infect Dis 2011;15(1):69-73

CHIKUNGUNYA: UM VÍRUS OUTRORA ESQUECIDO



Por Augusto Passoni Slovinski

         Membro da família Togaviridae, pertencente ao gênero Alphavirus, o virus Chikungunya é encontrado em regiões tropicais e subtropicais da África, em ilhas do Oceano Índico e no sul e sudeste asiático. O nome Chikungunya é originário dos dialetos Swahili ou Makonde que significa “tornar-se contorcido“.

Distribuição geográfica dos casos de Febre Chikungunya
        O principal vetor do virus é o mosquito do gênero Aedes e, em seu ciclo de vida normal, apresenta como principais reservatórios os primatas não-humanos e pequenos mamíferos, como os morcegos. Durante as epidemias, os virus podem manter seu ciclo apenas entre humanos e os mosquitos, sem a necessidade dos outros reservatórios animais. Na África, as espécies de Aedes mais comumente implicadas como vetores são: A. furcifer-taylori, A. africanus, A. luteocephalus e o A. aegypti.
        Antes de 2000, epidemias pelo virus eram raras, porém, a partir de então, já foram reportadas epidemias no Congo, Quênia e Índia. Este ano, foram diagnosticados alguns poucos casos em Curitiba (em torno de 3 ou 4) de pacientes que haviam viajado para as regiões de risco! O que preocupa mais é o fato de um dos principais vetores do virus ser um mosquito de relevância nacional – o Aedes aegypti.
        O quadro clínico da febre Chikungunya lembra o da dengue. Seu período de incubação varia entre 1 e 12 dias, com aparecimento de febre alta, artralgias e mialgias severas, cefaléia, fotofobia e rash cutâneo. Infecções assintomáticas são raras. A poliartralgia é o sintomas mais debilitante e marcante, com a característica de ser, geralmente, simétrica. A artralgia costuma melhorar cerca de 1 a 2 semanas após o estabelecimento dos sintomas, mas alguns pacientes continuam a apresentar a dor articular por meses ou até anos. Apesar de não ser um virus comumente neurotrópico, alguns paciente experimentam manifestações neurológicas, sendo causas comuns de internação hospitalar: encefalopatia, paralisia flácida aguda e síndrome de Guillain-Barré. Manifestações hemorrágicas são incomuns, o que a diferencia da dengue.

Cartilha Indiana da Organização Mundial da Saúde sobre a Febre Chikungunya. O paciente curvado na foto (chikungunya=“tornar-se contorcido“) lembra a artralgia marcante da doença.
        A mortalidade associada à febre Chikungunya encontra-se em torno de 1 caso para cada 1000, sendo mais comum nos extremos de vida, ou em adultos com comorbidades subjacentes. As causas mais comuns de morte incluem insuficiência cardíaca, falência de múltiplos órgãos, hepatite e encefalite.
       O diagnóstico é baseado nos achados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais. Na fase aguda da doença, a identificação dos ácidos nucléicos virais por meio de reverse-transcriptase PCR (RT-PCR) confirma o diagnóstico. A identificação de resposta imune também pode ajudar no diagnóstico, principalmente em fases mais tardias.
       Atualmente, não existem muitas opções terapêuticas comprovadamente eficazes. O tratamento é basicamente suportivo e o uso de AINES em casos de artralgia. Potenciais opções no manejo desta doença incluem o uso de ribavirina, cloroquina e anticorpos contra o virus (por meio de vacinas ou imunização passiva).
      Mesmo parecendo tão distante geograficamente, nós brasileiros deveríamos nos preocupar sim com este virus, já que compartilhamos o mesmo “teto“ com um dos seus principais vetores – o Aedes aegypti. Mais um bom motivo para abraçarmos a luta contra o mosquito da dengue, ou queremos chamar de mosquito da Chikungunya?!

sábado, 3 de dezembro de 2011

ARTIGO ORIGINAL: 1972 - CRITÉRIOS DE LIGHT: CLASSICAMENTE ATUAIS


         Em meados dos anos 70, há quase 30 anos, discutia-se muito como diferenciar os líquidos pleurais em exsudatos e transudatos. O valor absoluto de proteínas no líquido era o principal indicador, sendo o valor acima de 3g/100ml o indício de um exsudato. Outras sugestões para a diferenciação eram a densidade, celularidade e quantidade de hemácias, todas com grandes margens de erro. Em 1972, o Dr. Richard W. Light publicava no Annals of Internal Medicine um artigo avaliando 150 derrames pleurais e sua composição. Baseado nas evidências da época de aumento de proteínas e LDH em líquidos inflamatórios, propôs, timidamente, alguns critérios que, somados, poderiam aumentar a chance de se diferenciar corretamente a natureza dos derrames do espaço pleural. Mal sabia ele que estava revolucionando esse tema na medicina. Seguem alguns gráficos do artigo original de Light para entendermos suas conclusões.

 
Só para se ter idéia, usando o conceito antigo de exsudato vs transudato (3g/100ml de proteína - linha vermelha), Light identificou até 20% de erro de diagnóstico em sua amostra, mostrado no gráfico acima pelos exsudatos abaixo da linha e pelos transudatos acima dela.
 
O gráfico acima refere-se à relação proteína do líquido : proteína sérica. Percebam que somente 1 líquido caracterizado como transudato fica acima da linha, porém 10 classificados como exsudatos ficam abaixo da linha. Nesse ponto, entram a dosagem absoluta e relação líquido : plasma do LDH.

Esse último gráfico de seu trabalho original mostra como se somando os critérios, diminui-se a possibilidade de erro no diagnóstico de líquidos exsudativos e transudativos.


       Os critérios de Light são os mais sensíveis em identificar exsudatos, porém pouco específicos. Como visto na última coluna do gráfico, há uma pequena parcela de transudatos incorretamente classificados. Caso haja uma grande suspeita clínica de transudato e os critérios apontem para um derrame exsudativo, deve-se proceder o gradiente Albumina Sérica - Albumina Líquido Pleural. Se essa diferença for maior a 1,2 g/dl, sugere-se transudato. De qualquer forma, esse gradiente não deve ser usado de forma isolada, já que pode deixar passar até 13% de exsudatos. Ao contrário, porém, se as relações de proteínas e LDH sugerirem um transudato, outros exames não acrescentam na diferenciação, podendo até confundir a investigação.

         Ao longo desses quase 30 anos dessa publicação, outros critérios foram sugeridos para substituir ou modificar os de Light, porém nenhum deles teve tanta acurácia.


DIAGNÓSTICO DE EXSUDATOS POR DIFERENTES CRITÉRIOS
CRITÉRIO
SENSIBILIDADE (%)
ESPECIFICIDADE (%)
Critérios de Light
98
83
Colesterol do Líquido Pleural > 60mg/dl
54
92
Colesterol do Líquido Pleural > 43mg/dl
75
80
Colesterol do Líquido Pleural : Sérico > 0,3
89
81
Albumina Sérica – Albumina Líquido Pleural < 1,2 g/dL
87
92


         O mais interessante de se visualizar o artigo original  é perceber a "inocência" com que o autor faz suas conclusões, sem saber o tamanho da repercussão que geraria e o quanto seus dados se perpetuariam. Os valores encontrados não foram gerados com fórmulas complexas, foram valores de corte que se mostravam mais adequados à diferenciação da natureza dos líquidos, como se vê nos gráficos acima. Hoje, os critérios de Light são quase medulares para o clínico, sem sabermos da dificuldade relativamente recente que tinham nossos colegas e como um trabalho de relativa baixa complexidade técnica pode revolucionar a abordagem do derrame pleural.

NEJM Volume 346(25), 20 June 2002, pp 1971-1977
Annals of Internal Medicine, 77: 507-513, 1972

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

THE BROKEN HEART SYNDROME - NÃO É INFARTO, É ESTRESSE!!!

        
Por Augusto Passoni Slovinski      
        Também conhecida como Síndrome do Balonamento Apical ou Síndrome de Takotsubo, esta condição foi primeiramente descrita no Japão. O nome Takotsubo é decorrente à semelhança da morfologia cardíaca, vista no cateterismo ou no ecocardio, com um instrumento de pesca japonês próprio para capturar polvos.

        Esta síndrome é mais comumente vista em mulheres na pós-menopausa submetidas a estresse físico ou emocional. A patogênese da doença não é totalmente compreendida, mas sugere-se um papel das catecolaminas, visto que, em alguns estudos, a dosagem de noradrenalina estava aumentada em um número considerável de pacientes durante o episódio.
        A apresentação clínica da doença muito se assemelha a um episódio de infarto agudo do miocárdio, com angina, dispnéia, alterações no ECG, além de aumento das enzimas cardíacas. As alterações eletrocardiográficas são os achados mais comuns, com a elevação do segmento ST o mais prevalente. O aumento das enzimas cardíacas não é tão pronunciado quanto aquele visto no IAM. Algumas complicações agudas descritas na síndrome são: insuficiência cardíaca, taquiarritmias (TV e FV), bradiarritmias, regurgitação mitral e até choque cardiogênico.
       O diagnóstico é sugerido durante a realização de um ecocardio ou CATE nos quais se visualiza uma acinesia apical com hipercinesia basal do coração. A condição fica melhor definida quando se demonstram artérias coronárias pérvias.


       Não existem trabalhos randomizados que definam com clareza o melhor tratamento para a síndrome, porém o que se utiliza hoje são as medicações usadas no manejo da disfunção do ventrículo esquerdo, como os IECAs e os Beta-bloqueadores.
       Agora fica a dúvida: é mais difícil fazer o diagnóstico ou conseguir convencer uma senhora estressada de que não está infartando???