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sábado, 28 de janeiro de 2012

TÓRAX DE BÚFALO (BUFFALO CHEST) - UMA DESVANTAGEM ANATÔMICA

        

       A único contato entre as pleuras de cada lado do tórax acontece no ligamento pulmonar, abaixo do hilo pulmonar e atrás do coração, já que é uma membrana única. Porém, os espaços pleurais - entre as pleuras parietal e visceral - são isolados um do outro em cada lado.



        A situação em que há comunicação entre ambos espaços pleurais é dita "tórax de búfalo" (buffalo chest). Isso porque os búfalos americanos, ou bisões, têm uma única cavidade pleural envolvendo ambos os pulmões. Essa particularidade anatômica facilitava os índios americanos de abatê-los, já que apesar de grandes e robustos, uma simples flechada em um lado do tórax provocaria um pneumotórax bilateral, colabando ambos os pulmões e matando o animal.

        Em humanos pode ocorrer o mesmo! Congênito, traumático ou iatrogênico, este último mais comum, ocorre geralmente após cirurgias com esternotomia mediana, videotoracoscopia, transplantes cardíaco e de pulmão, pela ruptura dos recessos pleurais anteriores, gerando um canal pleuro-pleural.

        A literatura sobre a entidade clínica é baseada em relatos de casos. Para ilustrar, seguem 2 relatos:

- paciente de 18 anos, feminina, com história prévia de pneumotórax à direita e presença de bolha subpleural também à direita, dá entrada no pronto-atendimento com quadro de pneumotórax hipertensivo à direita. Após toracostomia e alívio da pressão intra-torácica, paciente apresenta pneumotórax à esquerda. O quadro foi resolvido com drenagem torácica fechada somente à direita.

A. Pneumotórax hipertensivo à direita com balanço de mediastino para esquerda, sem evidência de pneumotórax deste lado. B. Após punção torácica, resolvida a hipertensão, porém agora com evidência de pneumotórax bilateral. C. Drenagem torácica fechada com resolução do pneumotórax bilateral.

- paciente de 68 anos, masculino, que após revascularização cirúrgica do miocárdio via esternotomia evoluiu com pnemotórax após passagem de um catéter venoso central em subclávia direita. O raio-x de tórax mostrou pneumotórax bilateral e após a drenagem torácica fechada à direita, o dreno passou pelo mediastino anterior e seguiu para o tórax esquerdo. Reposicionado à direita, o dreno resolveu o pneumotórax bilateral.



  Após punção de subclávia à direita (note catéter), presença
  de pneumotórax bilateral. Não houve nenhuma tentativa de
  punção à esquerda.

Após passagem do dreno de tórax, este se posicionou
no tórax esquerdo, transmediastino anterior.

Mesma situação ao lado, visão pelo perfil esquerdo.

          Pneumotórax bilateral é um evento raro quando sem comunicação entre as pleuras (exceto em punções torácicas bilaterais), que ocorre mais em pacientes DPOC, longilíneos ou com pneumocistose pulmonar. Portanto, quando se deparar com um caso assim, pensar na possibilidade de ser, na verdade, somente um pneumotórax acomentendo ambos hemitórax. Apesar da gravidade do quadro, drenagem de tórax unilateral geralmente resolve o caso.

European Journal of Cardio-Thoracic Surgery 0 (2012) 1
Ann. Surg. March 1984 Vol. 199 No. 3
Emerg Med J 2006;23:483-486

N Engl J Med 349;19 November 6, 2003
Revista Portuguesa de Pneumologia, Vol XIII N.º 4 Julho/Agosto 2007

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

SÍNDROME DA VIBRAÇÃO FANTASMA



       Recentemente, a expressão "Síndrome da Vibração Fantasma" foi introduzida na mídia e se refere a sensação ilusória de que o celular ou um bip/"pager" está vibrando no bolso do indivíduo sem que ele realmente esteja. Tema de uma tese recente, a alucinação de que qualquer aparelho de comunicação individual esteja vibrando ou tocando acometeu 75% dos pacientes estudados.

       Um grupo de pesquisadores norte-americanos realizaram a pesquisa em um hospital para determinar a prevalência e as características da síndrome entre os profissionais de saúde. Alguns dados:

- 68% da população hospitalar entrevistada, entre médicos assistentes, enfermeiras, residentes, estudantes de medicina etc, relataram em algum momento ter a percepção de vibração do celular.

- não houve diferença entre os usuários de celulares e "pagers".

- 15% relatavam ter a sensação diariamente.

- 93% consideravam-se pouco incomodados.

- estudantes de medicina e residentes foram os que mais tiveram as alucinações vibratórias.

- levar o celular no bolso da camisa ou jaleco aumentava a chance de se perceber a falsa vibração.

        Essas alucinações táteis são interpretações erradas do cérebro a partir de um estímulo que pode ser a pressão que o aparelho causa no corpo ou mesmo contrações musculares, associado à expectativa de que o aparelho toque. Daí a possível explicação para acometer mais estudantes e residentes, que geralmente em regime de plantões podem receber ligações mais urgentes ou com necessidade de resposta imediata. O mesmo acontece com a mãe de primeira viagem preocupada com o bebê, que parece ouvir o tempo todo ele chorar.

      A princípio, não parece ser algo tão incômodo, mas acomete grande parte da população ativa, geralmente envolvida com compromissos e tempos restritos. São os malefícios da tecnologia!

BMJ. 2010 Dec 15;341:c6914

domingo, 22 de janeiro de 2012

FDA APROVA PARACETAMOL ENDOVENOSO


        Já presente no mercado europeu desde 2002, foi aprovado pelo FDA no final de 2010 o paracetamol endovenoso. Comercializado com o nome de Ofirmev, está indicado no controle de dor leve a moderada, como adjuvante de opióides nas dores moderadas a intensas, e controle de febre em pacientes que não podem ingerir medicações. Os estudos que levaram à aprovação da medicação envolveram pacientes em pós-operatório imediato, reduzindo a necessidade de uso de opióides.

        A medicação apresenta-se em frascos de 100ml (1000mg) que devem ser infundidos em 15 minutos. A posologia indicada é de 1g a cada 6 horas ou 650mg a cada 4 horas, dose máxima diária de 4g.


       As contra-indicações, interações medicamentosas e efeitos colaterais são os mesmos da apresentação oral do paracetamol.

http://www.ofirmev.com/

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA: ATÉ QUE PONTO PODEMOS CONFIAR NA CREATININA?

 

Por Augusto Passoni Slovinski

      A injúria renal aguda (IRA) pode ser definida como qualquer insulto à homeostase renal, culminando em perda de função e consequente retenção de escórias do metabolismo corporal e desregulação hidroeletrolítica.
     De uma forma simplificada, porém didática, os mecanismos pelos quais ocorrem os insultos podem ser de origem pré-renal, em que ocorre uma diminuição do fluxo sanguíneo renal; renal, através de lesões glomerulares/tubulares; e pós-renal, conferindo obstrução ao fluxo urinário.
     A definição exata de IRA, assim como sua quantificação ainda permanecem um tanto quanto incertas, com divergências entre alguns autores. Classicamente, utilizamos a creatinina sérica e a estimativa da taxa de filtração glomerular calculada através da creatinina como os principais definidores.
    A fim de uniformizar a definição desta condição, foram criados alguns critérios diagnósticos que são descritos a seguir.
Critérios RIFLE:
Risk : aumento de 1,5 vezes na creatinina basal, ou um decréscimo de 25% na taxa de filtração glomerular (TFG), ou um débito urinário (DU) <0,5 ml/kg/h por 6 horas
Injury: aumento de 2 vezes na creatinina basal, ou decréscimo de 50% na TFG, ou um DU <0,5 ml/kg/h por 12 horas
Failure: aumento de 3 vezes na creatinina basal, ou um decréscimo de 75% na TFG, ou DU <0,5 ml/kg/h por 24 horas ou anúria por 12 horas
Loss: completa perda da função renal, com necessidade de terapia de substituição renal por pelo menos 4 semanas
End Stage Renal Disease (ESRD): necessidade de terapia de substituição renal por pelo menos 3 meses.
Critério AKIN:
AKIN 1: aumento na creatinina basal maior ou igual a 0,3 mg/dl, ou aumento de 1,5 a 2 vezes na creatinina basal ou DU <0,5 ml/kg/h por mais de 6 horas
AKIN 2: aumento na creatinina basal em 2 a 3 vezes ou DU <0,5 ml/kg/h por mais de 12 horas
AKIN 3: aumento em mais de 3 vezes na creatinina basal, ou aumento > 0,5 mg/dl quando a creatinina basal for maior ou igual a 4 mg/dl, ou DU < 0,3 ml/kg/h por 24 horas ou anúria por 12 horas.
      Podemos observar que a creatinina sérica é considerada em ambas as classificações como definidora de IRA além de graduar sua severidade. Mas, até que ponto podemos confiar na creatinina?
     A creatinina é derivada do metabolismo da creatina proveniente da musculatura esquelética e da ingesta proteica diária. É liberada na circulação numa taxa relativamente constante e apresenta concentração plasmática estável. A creatinina é livremente filtrada pelos glomérulos e não é reabsorvida nem metabolizada pelos rins; no entanto, cerca de 10% a 40% da creatinina presente na urina é derivada da secreção tubular, mais especificamente do túbulo contorcido proximal. Frente a uma situação de injúria renal, existe uma queda na TFG, e o que se esperaria seria um aumento proporcional na creatinina sérica; porém, isso não é o que ocorre na realidade. Inicialmente, à medida em que diminui a TFG, existe um aumento na taxa de excreção urinária da creatinina pelos túbulos renais, por mecanismos compensatórios; ou seja, acabamos superestimando a TFG quando utilizamos em seu cálculo os níveis séricos de creatinina. Outro problema com a creatinina é a variação de sua produção nos diferentes indivíduos e situações, por exemplo: vegetarianos restritos, pacientes amputados, desnutridos, indivíduos com massa muscular hipertrofiada apresentam diferentes produções de creatinina. Em situações de supercrescimento bacteriano intestinal, existe um aumento na atividade de creatininases bacterianas que diminuem os níveis séricos de creatinina, também superestimando a TFG.
       Frente a toda esta limitação entre correlacionar os níveis de creatinina com a real função renal estão sendo estudados e propostos novos marcadores com a promessa de caracterizar, de maneira precoce, a injúria renal.
1)    Neutrophil Gelatinase-associated Lipocalin (NGAL): membro da família das lipocalinas, é expresso em menores níveis em alguns tecidos humanos, como: rins, próstata e epitélio dos tratos respiratório e digestório. É sugerido que seja uma proteína de fase aguda para diferentes condições inflamatórios e alguns tipos de cânceres. No que diz respeito ao rim, o NGAL é altamente acumulado nos túbulos corticais renais, no sangue e na urina após uma injúria isquêmica renal ou nefrotóxica.
2)    Interleucina 18 (IL-18): é uma citocina proinflamatória que tem sua produção induzida nos túbulos proximais após uma IRA. Sugerido como mediador e biomarcador de IRA isquêmica, quando existe aumento de sua concentração na urina.
3)    Kidney Injury Molecule-1 (KIM-1): uma proteína de membrana tipo-1, com propriedade de molécula de adesão de células epiteliais, não sendo detectada em rins saudáveis. A KIM-1 pode ser expressa e detectada na urina cerca de 12 horas após um insulto isquêmico inicial, antes da regeneração do epitélio. Em modelos animais, a KIM-1 urinária se mostrou ser um marcador sensível de IRA isquêmica e nefrotóxica.
4)    Liver-type Fatty Acid Binding Proteins (L-FABP): é um membro da superfamília das proteínas ligadoras de lipídeos. Pode ser encontrada no citoplasma das células dos túbulos proximais. Um dos seus mecanismo de regulação é a hipóxia, ou seja, sugere-se que possa ser um marcador de hipóxia renal.
5)    Cistatina C: está sendo estudada como marcador de função glomerular. É livremente filtrada pelos glomérulos e reabsorvida pelos túbulos proximais onde é catabolizada. Alguns dos problemas em sua mensuração seriam a influência de seus níveis frente a tireoideopatias e o aumento de seus níveis quando existe aumento na proteína C-reativa.
       Apesar das tentativas em definir com maior fidedignidade a função renal, pode-se concluir que mesmo os novos marcadores estão sujeitos a críticas futuras; ou seja, depois de toda essa reviravolta voltamos àquilo que conhecemos e “confiamos“, creatinina: é o que tem pra hoje...