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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

AFINAL, O QUE É KPC?


        KPC - Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase. Esse é o nome da enzima produzida pelo gene de mesmo nome por algumas enterobactérias. Ocorre predominantemente em cepas de K. pneumoniae, é verdade, porém já foi isolada em espécies de Enterobacter, Escherichia coli, Salmonella enterica, Proteus mirabilis e Citrobacter freundii. Posteriormente, essa enzima também foi encontrada em cepas de Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumaniiA KPC é codificada em plasmídios que podem ser transmitidos entre as bactérias.
     
       Carbapenemases são beta-lactamases que hidrolisam carbapenêmicos, além da maioria dos beta-lactâmicos. KPC é a mais comum dessas beta-lactamases, porém existem outras, como IMP, VIM, NDM e OXA, entre outras. O diferencial da KPC é ser a mais frequente, responsável por grandes surtos mundiais e a única delas identificada no Brasil até agora. Em 1993, foi identificada a primeira carbapenemase (não-KPC), em 1996 a primeira KPC e em 2005 ela chega ao Brasil, no estado de São Paulo.
       
      A avaliação de alguns relatos isolados ou pequenas séries de pacientes tratados para infecções por bactérias KPC mostram um sucesso considerável (>70%) com o uso de aminoglicosídeos, tigeciclina e o uso de polimixinas associadas com outros antibióticos. O uso de carbapenêmicos mostrou um sucesso de até 40% e polimixina isolada de 14%. A mortalidade de pacientes com infecções relacionada à KPC é em geral maior que 50%.

      Portanto, nem toda KPC é K. pneumoniae e pode-se ter K. pneumoniae resistente a carbapenêmicos que não é KPC!

Emerging Infectious Diseases Vol. 17, No. 10, October 2011
Braz J Infect Dis 2011;15(1):69-73

CHIKUNGUNYA: UM VÍRUS OUTRORA ESQUECIDO



Por Augusto Passoni Slovinski

         Membro da família Togaviridae, pertencente ao gênero Alphavirus, o virus Chikungunya é encontrado em regiões tropicais e subtropicais da África, em ilhas do Oceano Índico e no sul e sudeste asiático. O nome Chikungunya é originário dos dialetos Swahili ou Makonde que significa “tornar-se contorcido“.

Distribuição geográfica dos casos de Febre Chikungunya
        O principal vetor do virus é o mosquito do gênero Aedes e, em seu ciclo de vida normal, apresenta como principais reservatórios os primatas não-humanos e pequenos mamíferos, como os morcegos. Durante as epidemias, os virus podem manter seu ciclo apenas entre humanos e os mosquitos, sem a necessidade dos outros reservatórios animais. Na África, as espécies de Aedes mais comumente implicadas como vetores são: A. furcifer-taylori, A. africanus, A. luteocephalus e o A. aegypti.
        Antes de 2000, epidemias pelo virus eram raras, porém, a partir de então, já foram reportadas epidemias no Congo, Quênia e Índia. Este ano, foram diagnosticados alguns poucos casos em Curitiba (em torno de 3 ou 4) de pacientes que haviam viajado para as regiões de risco! O que preocupa mais é o fato de um dos principais vetores do virus ser um mosquito de relevância nacional – o Aedes aegypti.
        O quadro clínico da febre Chikungunya lembra o da dengue. Seu período de incubação varia entre 1 e 12 dias, com aparecimento de febre alta, artralgias e mialgias severas, cefaléia, fotofobia e rash cutâneo. Infecções assintomáticas são raras. A poliartralgia é o sintomas mais debilitante e marcante, com a característica de ser, geralmente, simétrica. A artralgia costuma melhorar cerca de 1 a 2 semanas após o estabelecimento dos sintomas, mas alguns pacientes continuam a apresentar a dor articular por meses ou até anos. Apesar de não ser um virus comumente neurotrópico, alguns paciente experimentam manifestações neurológicas, sendo causas comuns de internação hospitalar: encefalopatia, paralisia flácida aguda e síndrome de Guillain-Barré. Manifestações hemorrágicas são incomuns, o que a diferencia da dengue.

Cartilha Indiana da Organização Mundial da Saúde sobre a Febre Chikungunya. O paciente curvado na foto (chikungunya=“tornar-se contorcido“) lembra a artralgia marcante da doença.
        A mortalidade associada à febre Chikungunya encontra-se em torno de 1 caso para cada 1000, sendo mais comum nos extremos de vida, ou em adultos com comorbidades subjacentes. As causas mais comuns de morte incluem insuficiência cardíaca, falência de múltiplos órgãos, hepatite e encefalite.
       O diagnóstico é baseado nos achados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais. Na fase aguda da doença, a identificação dos ácidos nucléicos virais por meio de reverse-transcriptase PCR (RT-PCR) confirma o diagnóstico. A identificação de resposta imune também pode ajudar no diagnóstico, principalmente em fases mais tardias.
       Atualmente, não existem muitas opções terapêuticas comprovadamente eficazes. O tratamento é basicamente suportivo e o uso de AINES em casos de artralgia. Potenciais opções no manejo desta doença incluem o uso de ribavirina, cloroquina e anticorpos contra o virus (por meio de vacinas ou imunização passiva).
      Mesmo parecendo tão distante geograficamente, nós brasileiros deveríamos nos preocupar sim com este virus, já que compartilhamos o mesmo “teto“ com um dos seus principais vetores – o Aedes aegypti. Mais um bom motivo para abraçarmos a luta contra o mosquito da dengue, ou queremos chamar de mosquito da Chikungunya?!

sábado, 3 de dezembro de 2011

ARTIGO ORIGINAL: 1972 - CRITÉRIOS DE LIGHT: CLASSICAMENTE ATUAIS


         Em meados dos anos 70, há quase 30 anos, discutia-se muito como diferenciar os líquidos pleurais em exsudatos e transudatos. O valor absoluto de proteínas no líquido era o principal indicador, sendo o valor acima de 3g/100ml o indício de um exsudato. Outras sugestões para a diferenciação eram a densidade, celularidade e quantidade de hemácias, todas com grandes margens de erro. Em 1972, o Dr. Richard W. Light publicava no Annals of Internal Medicine um artigo avaliando 150 derrames pleurais e sua composição. Baseado nas evidências da época de aumento de proteínas e LDH em líquidos inflamatórios, propôs, timidamente, alguns critérios que, somados, poderiam aumentar a chance de se diferenciar corretamente a natureza dos derrames do espaço pleural. Mal sabia ele que estava revolucionando esse tema na medicina. Seguem alguns gráficos do artigo original de Light para entendermos suas conclusões.

 
Só para se ter idéia, usando o conceito antigo de exsudato vs transudato (3g/100ml de proteína - linha vermelha), Light identificou até 20% de erro de diagnóstico em sua amostra, mostrado no gráfico acima pelos exsudatos abaixo da linha e pelos transudatos acima dela.
 
O gráfico acima refere-se à relação proteína do líquido : proteína sérica. Percebam que somente 1 líquido caracterizado como transudato fica acima da linha, porém 10 classificados como exsudatos ficam abaixo da linha. Nesse ponto, entram a dosagem absoluta e relação líquido : plasma do LDH.

Esse último gráfico de seu trabalho original mostra como se somando os critérios, diminui-se a possibilidade de erro no diagnóstico de líquidos exsudativos e transudativos.


       Os critérios de Light são os mais sensíveis em identificar exsudatos, porém pouco específicos. Como visto na última coluna do gráfico, há uma pequena parcela de transudatos incorretamente classificados. Caso haja uma grande suspeita clínica de transudato e os critérios apontem para um derrame exsudativo, deve-se proceder o gradiente Albumina Sérica - Albumina Líquido Pleural. Se essa diferença for maior a 1,2 g/dl, sugere-se transudato. De qualquer forma, esse gradiente não deve ser usado de forma isolada, já que pode deixar passar até 13% de exsudatos. Ao contrário, porém, se as relações de proteínas e LDH sugerirem um transudato, outros exames não acrescentam na diferenciação, podendo até confundir a investigação.

         Ao longo desses quase 30 anos dessa publicação, outros critérios foram sugeridos para substituir ou modificar os de Light, porém nenhum deles teve tanta acurácia.


DIAGNÓSTICO DE EXSUDATOS POR DIFERENTES CRITÉRIOS
CRITÉRIO
SENSIBILIDADE (%)
ESPECIFICIDADE (%)
Critérios de Light
98
83
Colesterol do Líquido Pleural > 60mg/dl
54
92
Colesterol do Líquido Pleural > 43mg/dl
75
80
Colesterol do Líquido Pleural : Sérico > 0,3
89
81
Albumina Sérica – Albumina Líquido Pleural < 1,2 g/dL
87
92


         O mais interessante de se visualizar o artigo original  é perceber a "inocência" com que o autor faz suas conclusões, sem saber o tamanho da repercussão que geraria e o quanto seus dados se perpetuariam. Os valores encontrados não foram gerados com fórmulas complexas, foram valores de corte que se mostravam mais adequados à diferenciação da natureza dos líquidos, como se vê nos gráficos acima. Hoje, os critérios de Light são quase medulares para o clínico, sem sabermos da dificuldade relativamente recente que tinham nossos colegas e como um trabalho de relativa baixa complexidade técnica pode revolucionar a abordagem do derrame pleural.

NEJM Volume 346(25), 20 June 2002, pp 1971-1977
Annals of Internal Medicine, 77: 507-513, 1972

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

THE BROKEN HEART SYNDROME - NÃO É INFARTO, É ESTRESSE!!!

        
Por Augusto Passoni Slovinski      
        Também conhecida como Síndrome do Balonamento Apical ou Síndrome de Takotsubo, esta condição foi primeiramente descrita no Japão. O nome Takotsubo é decorrente à semelhança da morfologia cardíaca, vista no cateterismo ou no ecocardio, com um instrumento de pesca japonês próprio para capturar polvos.

        Esta síndrome é mais comumente vista em mulheres na pós-menopausa submetidas a estresse físico ou emocional. A patogênese da doença não é totalmente compreendida, mas sugere-se um papel das catecolaminas, visto que, em alguns estudos, a dosagem de noradrenalina estava aumentada em um número considerável de pacientes durante o episódio.
        A apresentação clínica da doença muito se assemelha a um episódio de infarto agudo do miocárdio, com angina, dispnéia, alterações no ECG, além de aumento das enzimas cardíacas. As alterações eletrocardiográficas são os achados mais comuns, com a elevação do segmento ST o mais prevalente. O aumento das enzimas cardíacas não é tão pronunciado quanto aquele visto no IAM. Algumas complicações agudas descritas na síndrome são: insuficiência cardíaca, taquiarritmias (TV e FV), bradiarritmias, regurgitação mitral e até choque cardiogênico.
       O diagnóstico é sugerido durante a realização de um ecocardio ou CATE nos quais se visualiza uma acinesia apical com hipercinesia basal do coração. A condição fica melhor definida quando se demonstram artérias coronárias pérvias.


       Não existem trabalhos randomizados que definam com clareza o melhor tratamento para a síndrome, porém o que se utiliza hoje são as medicações usadas no manejo da disfunção do ventrículo esquerdo, como os IECAs e os Beta-bloqueadores.
       Agora fica a dúvida: é mais difícil fazer o diagnóstico ou conseguir convencer uma senhora estressada de que não está infartando???

sábado, 26 de novembro de 2011

NÃO BASTASSE A TPM...

        
        Não bastasse dismenorréia, alteração de humor, mastalgia e outros desconfortos do período pré e peri-menstrual, há uma entidade que pode acometer as mulheres durante os ciclos chamada pneumotórax catamenial. A doença consiste em pneumotórax recorrentes, geralmente desencadeado nos três primeiros dias de fluxo. Não ocorre em todo ciclo menstrual, mas quando ocorre coincide com seu início. Acomete mulheres entre os 30 e 40 anos de idade e quase que exclusivamente o tórax direito.
         
        Sua fisiopatologia não é totalmente estabelecida, porém há 2 linhas de explicação:

1) sugere-se que alguma falha no diafragma direito deixaria algum ar passar para o tórax quando no periodo menstrual houvesse a entrada de ar no abdôme pelo trato genital com a abertura do colo uterino. Essa teoria é reafirmada com relatos de pneumoperitônios espontâneos pós-partos normais e pneumotórax espontâneos pós-coito, além de resolução de casos de pneumotórax catamenial com ligadura tubária. Muitas vezes são encontradas aberturas no diafragma durante torascoscopias para investigar a ocorrência dos pneumotórax, prontamente corrigidas no procedimento.

2) presença de focos de endometriose sobre a pleura que, nos períodos de ciclagem hormonal, seriam ativados e a romperiam, levando a entrada de ar no espaço pleural. A circulação natural do líquido peritonial no sentido horário, ascendendo a goteira parieto-cólica direita explicaria a preferência desse lado do acometimento. 75% das paciente com endometriose pleural se apresentam com pneumotórax recorrente, o restante apresentando hemotórax cíclico e/ou hemoptise. 


Múltiplas perfurações em diafragma direito vistas pela vídeo-toracoscopia. Posteriormente, a histopatologia confirmou focos de endometriose no local.

       Esses dois mecanismos explicam somente 40% dos casos, ficando o restante inexplicado mesmo após exploração vídeo-cirúrgica.
       Após avaliação por toracoscopia, aberturas no diafragma são corrigidas e focos de endometriose ressecados. Caso haja recorrência, está indicada supressão hormonal, mesmo sem evidência de endometriose, ou pleurectomia.


J Thorac Cardiovasc Surg 2004;128:502-8
JSLS (2003)7:371-375
Pneumonol. Alergol. Pol. 2011; 79, 5: 347–350
International Pleural Newsletter Volume 1 Issue 1 January 2003

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A VARFARINA TENTANDO RESISTIR AOS NOVOS ANTICOAGULANTES


        Somente esse ano, duas novas drogas foram aprovadas pelo FDA para a prevenção de eventos tromboembólicos em paciente com fibrilação atrial: a dabigatrana e a rivaroxabana. Além deles, a apixabana está em estudos e provavelmente também seja aprovada em breve. A principal vantagem dessas novas drogas é que dispensam controle de alvo laboratorial de anticoagulação, diferentemente da varfarina e suas medidas frequentes de RNI. Quando comparadas a enoxaparina para prevenção de trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar, destacam-se pela administração oral.

        Segue um breve resumo das características dessas drogas. Ainda não há estudos comparando a dabigatrana com a rivaroxabana ou o apixaban.        

Nome
Dabigatrana
Nome comercial
Pradaxa®
Posologia
150 mg 2x/dia
Via de administração
Oral
Mecanismo de ação
Inibidor direto da trombina (fator IIa)
Estudo clínico
RE-LY
Indicação (aprovada pelo FDA)
Prevenção de eventos tromboembólicos em paciente com fibrilação atrial não-valvar
Custo médio (30 dias)
R$ 600,00
Bula
http://www.pradaxa.com/

Nome
Rivaroxabana
Nome comercial
Xarelto®


Posologia
10 mg 1x/dia
- 12 dias – prótese de joelho
- 35 dias – prótese de quadril

20 mg 1x/dia
- contínuo para paciente com fibrilação atrial não-valvar
Via de administração
Oral
Mecanismo de ação
Inibidor do fator Xa
Estudo clínico
ROCKET AF

Indicações (aprovadas pelo FDA)
- prevenção de trombose venosa de profunda e tromboembolismo pulmonar em pós-operatório de prótese de joelho e quadril

- prevenção de eventos tromboembólicos em paciente com fibrilação atrial não-valvar
Custo médio (30 dias)
R$ 700,00 (10 mg)
Bula
Http://www.xareltohcp.com

Nome
Apixaban
Nome comercial
Eliquis®
Posologia
2,5 mg 2x/dia
- 10-14 dias – prótese de joelho
- 35 dias – prótese de quadril

5 mg 2x/dia
- contínuo para paciente com fibrilação atrial não-valvar
Via de administração
Oral
Mecanismo de ação
Inibidor do fator Xa
Estudo clínico
ARISTOTLE

Indicações
(AINDA NÃO APROVADAS PELO FDA)
- prevenção de trombose venosa de profunda e tromboembolismo pulmonar em pós-operatório de prótese de joelho e quadril

- prevenção de eventos tromboembólicos em paciente com fibrilação atrial não-valvar


Locais de ação das respectivas drogas. 1) Varfarina: inibe a produção hepática dos fatores II, VII, IX e X, além das proteínas C e S, aqui não representadas. 2) Rivaroxabana: antagonista do fator Xa. 3) Apixaban: antagonista do fator Xa. 4) Dabigatrana: inibidor do fator IIa - trombina.

        A varfarina não se dá por vencida. Em recente guideline da American Heart Association, publicado na revista Circulation, no qual já se incluiu a dabigatrana como alternativa para anticoagulação de pacientes com fibrilação atrial não-valvar, a varfarina mantém-se como primeira opção, além de ser recomendada sua manutenção em paciente com bom controle de RNI e sem eventos adversos. Já no Annals of Internal Medicine, um novo estudo mostrou que pacientes com RNI estáveis por pelo menos 6 meses podem ter seu índice reaferido em 3 meses, o que diminui os custos. Parece que ainda há pessoas que acreditam na varfarina e ela deve permanecer entre nós por um bom tempo apesar das promissoras novas opções.



N Engl J Med 2011 Aug 10
N Engl J Med 2011; 365:981-992
Annals of Internal Medicine 15 November 2011 155(10): 714-716
http://www.fda.gov/NewsEvents/Newsroom/PressAnnouncements/ucm278646.htm

domingo, 13 de novembro de 2011

POR QUE PESSOAS COM HIPOTERMIA GRAVE TIRAM A ROUPA?


         
        A hipotermia é importante causa de morte em países de clima frio. Acomete mais pacientes idosos, portadores de transtornos mentais e moradores de rua. Substâncias depressoras do SNC têm importante papel no desenvolvimento da hipotermina e seu desfecho, principalmente álcool e benzodiazepínicos, já que rebaixados têm menor ímpeto de evitar a perda de calor e podem ficar expostos por longos períodos ao meio.

         Existem 3 respostas básicas à diminuição da temperatura corporal: a busca de abrigo, vestes, locais aquecidos; o tremor; e o aumento da produção endógena de calor. Esse terceiro item é mais evidente em lactentes, que têm a gordura marrom, rica em mitocôndrias e com capacidade de aumentar em até 3 vezes o metabolismo basal da criança. Já o adulto, com todos os componentes da resposta, pode ter um aumento de até 10 vezes.         
Todas essas respostas, principalmente o comportamento de buscar calor, parecem-nos óbvias e lógicas. Entretanto, em indivíduos com hipotermia moderada (30-34ºC) a grave (<30ºC), pode ocorrer o contrário: estando com a temperatura corporal diminuída, o paciente retira suas roupas. É o chamado paradoxical undressing (“despir paradoxal”), ocorrendo em até 25% dos casos de óbito por hipotermia. Logo, os corpos são encontrados completamente ou semi-nus, com as vestes dispostas em “trilha” até o local onde o indivíduo foi encontrado sem vida. Geralmente, a pessoa inicia a retirada da roupa pela parte de baixo, sem motivo óbvio para tal. A principal hipótese para explicar tal fenômeno é que após a vasoconstrição inicial em resposta à baixa temperatura, ocorre lesão dos nervi vasorum pelo frio intenso, culminando em vasodilatação por vasoplegia das artérias que suprem a pele, dando a sensação de calor à pessoa. Já torporosa pela hipotermia, irracionalmente ela retira as vestes, aumentando ainda mais a perda de calor.
Outro comportamento interessante em pacientes com hipotermia é o de se abrigar em locais estreitos, numa atitude primitiva de se proteger (terminal burrowing behaviour, hide-and-die syndrome). Exemplos típicos são embaixo de camas, atrás de armários, em depressões ou buracos no solo, embaixo de bancos de praças ou atrás de arbustos, esses três últimos quando em campo aberto. Muitos dos locais  são de difícil acesso, onde os indivíduos conseguem chegar rastejando. Como geralmente esse reflexo ocorre após o paciente ter se despido, é comum encontrar escoriações em joelhos, cotovelos, dorso de pés e face. Diferentemente de outras causas de morte, é típico esses pacientes serem encontrados em decúbito ventral, com os membros inferiores extendidos e os superiores flexionados sobre o tórax, numa atitute de rastejar. Uma segunda forma comum é a posição fetal. Discute-se se a procura desses locais para se abrigar seria uma tentativa de se aquecer ou um reflexo primitivo de se esconder e se proteger de predadores enquanto com o metabolismo diminuído, como nos animais que hibernam.
O que pensar de uma pessoa encontrada nua num ambiente frio, em decúbito dorsal e com escoriações, além de encravado em algum canto estreito? Imediatamente, remete-se a uma pessoa violentada, principalmente se mulher, e a tentativa de se esconder o corpo! Todas essas características próprias do paciente em hipotermia grave e o ambiente no qual ele é encontrado orientam tanto os socorristas quanto os policiais e os legistas, caso encontrado morto, de não obrigatoriamente se tratar de um crime, mas uma série de comportamentos primitivos e patológicos desencadeados pela hipotermia no organismo humano.
J Forensic Sci, Jul. 1979, Vol. 24, No. 3
Int J Leg Med (1995) 107 : 250-256

          

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

RITMO CHOCÁVEL: FAVOR NÃO CHOCAR!!!

 

          A intoxicação digitálica pode cursar com qualquer tipo de arritmia. Em linhas gerais, pode-se dizer que os digitálicos aumentam a automaticidade e excitabilidade das fibras musculares cardíacas, tendendo a extra-sístoles e taquidisritmias. Além desse efeito, diminuem a velocidade de condução, tanto ventricular quanto nodal, cursando com aumento do intervalo PR e alargamento do complexo QRS. Como morfologicamente a intoxicação digitálica pode cursar com qualquer padrão eletrocardiográfico, suspeitar sempre que houver aumento de automaticidade e lentificação da velocidade de condução. A apresentação mais comum é um bloqueio atrio-ventricular (AV) de grau variado, associado a aumento da automaticidade ventricular, ocorrendo em até 40% dos paciente com intoxicação digitálica reconhecida. Esses pacientes tendem a fazer mais arritmias ventriculares, inclusive fibrilação ventricular. Taquicardia ventricular bidirecional, apesar de não-patognomônico, é muito sugestiva de intoxicação digitálica grave.
 
Taquicardia Ventricular Bidirecional - o eixo do QRS alterna sua direção no plano frontal, hora para direita hora para esquerda. Característico de intoxicação digitálica.
       Em pacientes com arritmias cardíacas graves por intoxicação digitálica, deve-se evitar sempre que possível a cardioversão elétrica. O digital sensibiliza o miocárdio e o choque elétrico pode disparar mais arritmias ventriculares, culminando com fibrilação ventricular. Caso a cardioversão seja realmente necessária por uma situação de risco de morte, lidocaína profilática deve ser administrada antes e ser usada a menor energia indicada para a arritmia. Se houver hipocalemia, esta deve ser corrigida antes da cardioversão.

       Outro ritmo "chocável" que não deve ser chocado é o padrão sinusoidal próprio da hipercalemia grave, que pode ser facilmente confundido com uma taquicardia ventricular monomórfica.

 
Hipercalemia Grave com Padrão Sinusoidal - aumento de ondas T, alargamento de QRS e achatamento de onda P.


Taquicardia Ventricular Monomórfica

Diagn Tratamento. 2011;16(2):84-5.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

CORREÇÃO DO SÓDIO SÉRICO PELA GLICEMIA EM DISCUSSÃO


       Em 1949, foi descrito pela primeira vez o efeito da hiperglicemia sobre a natremia. Seldin et al descreveram o efeito osmótico da glicose em excesso dentro do vaso, trazendo consigo água do interstício e de dentro das células para tentar equilibrar a osmolaridade e, assim, diluindo o sódio intra-vascular.

       Classicamente, conhecemos o fator de correção de - 1,6mEq/L de Na+ para cada +100 mg/dl de glicose além de 100 mg/ml de glicemia, mas já houve propostas de outros valores desse fator, variando de 1,2 a 2,8mEq/L de Na+. Os estudos que determinaram esse valores sempre foram teóricos, baseados na capacidade osmótica tanto da glicose quanto do sódio.

       Em 1999, um artigo publicado no American Journal of Medicine avaliou empiricamente os valores do sódio sérico com a variação da glicemia. Em voluntários saudáveis foi infundida somatostatina (que inibiria a secreção endógena de insulina) e uma solução de glicose a 20% até que os níveis de glicemia chegassem a 600 mg/dl. Após, com a infusão venosa de insulina regular, baixou-se a glicemia para níveis normais (até 140). Durante todo o processo, o sódio sérico foi medido a intervalos regulares e, posteriormente, comparado com a glicemia.

       O estudo certificou que para glicemias de até 400 mg/dl, o fator 1,6 se correlacionou bem com a variação da natremia, porém para valores acima de 400 mg/dl, melhor seria um fator de correção do sódio de 4,0. Tentando juntar essa variação para facilitar o uso à beira do leito, o estudo encontrou o valor final de -2,4 mEq/L de Na+ para cada +100mEq/L acima de 100 mg/dl de glicemia, em qualquer magnitude.

         Se 12 anos após esse estudo, que não pareceu revolucionário nem ecoou nas revistas médicas, continuamos a usar o fator de 1,6 para correção e parece dar certo, isso não traz muitas mudanças. Mas considerando que a variação do sódio plasmático é uma situação delicada, sempre lembrando da mielinólise osmótica possível, vale a dica.

Am J Med. 1999;106(4):399-403.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

PROTEÍNA C ATIVADA RECOMBINANTE (XIGRIS) RETIRADA DO MERCADO

        
       Depois de aproximadamente 30 anos sem novidades na área de tratamento específico da sepse, em 2001 surgiu a proteína C ativada recombinante, a alfa-drotrecogina ativada (Xigris), promessa de sucesso no tratamento dessa síndrome clínica.
        A proteína C é componente inato do sistema de anticoagulação endógeno, tendo atividade fibrinolítica e antitrombótica, além de atuar como anti-inflamatório. O estado pró-inflamatório e pró-trombótico próprio da sepse inibe a formação da proteína C a partir de seus precursores, estando em níveis diminuídos nesses casos. Diante desse contexto, pensou-se que repondo a proteína poderia-se frear em parte a cascata inflamatória da sepse, melhorando o desfecho dos pacientes.
        Conforme sua validação no estudo PROWESS e aprovação pelo FDA, em novembro de 2001, a alfa-drotrecogina ativada ficou indicada em pacientes adultos (>18 anos) com sepse grave e alto risco de morte conforme o APACHE II (>25 e/ou disfunção de múltiplos órgãos). O risco de sangramento sempre foi a complicação mais temida em pacientes com condições predisponentes, cirurgias recentes ou drogas anticoagulantes de uso concomitante.
          Na sequência dos estudos, a alfa-drotrecogina ativada mostrou-se inefetiva no tratamento de sepse em crianças. Em 2007, novo estudo foi delineado para verificar sua utilidade em adultos com sepse grave e menor risco de morte (APACHE II < 25 e/ou disfunção isolada de órgão), mostrando-se ineficaz comparada ao placebo. Em todos os novos estudos e revisões, sempre ficou em lugar de destaque o risco de sangramento significativo que a droga trazia aos pacientes comparado ao benefício. Desde seus primeiros estudos, o risco de sangramento significativo chamou a atenção como grande efeito colateral da droga.
        Em 25 de outubro desse ano, a empresa responsável pela fabricação da medicação decidiu por suspender a fabricação e proscrever seu uso após resultados desfavoráveis do estudo PROWESS-SHOCK, em que o uso da alfa-drotrecogina não mostrou diminuição de mortalidade comparado ao placebo em indivíduos com choque séptico.
        Após uma curta e polêmica existência, resultados duvidosos e grande receio de sangramento com seu uso, a esperança de tratamento específico do estado inflamatório da sepse é adiada.

http://www.fda.gov/Safety/MedWatch/SafetyInformation/SafetyAlertsforHumanMedicalProducts ucm277143.htm
N Engl J Med 2001 Mar 8 344 699-709
N Engl J Med 2005 Sep 29; 353:1332-41

domingo, 30 de outubro de 2011

ETIL GALATO - UM NOVO VASOPRESSOR?

        
        Etil galato (EG), um composto antioxidante presente em nozes e vinhos, mostrou-se eficaz em tratar hipotensão em modelos animais de choque séptico. Seu princípio de ação baseia-se nas recentes descobertas de que a lisozima e o peróxido de hidrogênio (H2O2) participam no processo de vasodilatação da sepse.
        
         A lisozima, descoberta por Fleming em 1922, é uma enzima leucocitária que participa na destruição da parece celular das bactérias. Quando ocorre a ruptura das membranas dos leucócitos, como em processos infecciosos, há liberação dessa enzima na corrente sanguínea. Paralelamente, foi demonstrada sua capacidade de gerar peróxido de hidrogênio (H2O2), espécie reativa de oxigênio, capaz de lesar células e tecidos, além de participar da disfunção vascular do choque séptico. A função do EG seria impedir a ação deletéria do H2O2, evitando sua formação a partir da lisozima. Agindo em sítio diferente, o antioxidante mantém as propriedades bactericidas da lizosima, alem de ja ser bem estabelecida atividade bactericida intrinseca do antioxidante. De maneira interessante, o EG não tem efeito em indivíduos normotensos ou com hipotensão não-séptica, diferentemente dos vasopressores habituais (dopamina e noradrenalina), trazendo menos efeitos colaterais.

         Anteriormente, já se havia demonstrado que o EG era capaz de manter pressão arterial média e perfusão orgânica e periférica adequadas em modelo animal de choque séptico induzido por E. coli, porém sem ser comparado a outro vasopressor. Estudo recente publicado no Critical Care Medicine mostrou que o EG foi tão eficiente quanto a noradrenalina (NA) em manter parâmetros hemodinâmicos adequados em um modelo animal de sepse por P. aeruginosa. Além disso, vantagens do EG sobre a noradrenalina mostradas no estudo foram:

1) menos taquicardia. O efeito da NA nos receptores beta-1 justifica o maior freqüência cardíaca nos animais tratados com essa droga vasopressora, mecanismo de ação diferente do EG, que manteve frequencias cardicas menores, uma vantagem em pacientes cardiopatas;

2) não houve aumento de troponina T. Estudos anteriores relacionaram o aumento das troponinas em sepse com o aumento de mortalidade, podendo a cardiotoxicidade ser mediada tanto pela ação de agonistas adrenérgicos quanto pela miocardiopatia própria da sepse. Nesse contexto, pode-se sugerir um efeito cardioprotetor do EG, enquanto com o uso da NA houve aumento da enzima marcadora de lesao do miocardio.

3) maior débito urinário foi mantido no grupo que recebeu EG, e menor retenção de creatinina. Além da já demonstrada ação antioxidante, protegendo as células renais de radicais reativos de oxigênio, a manutenção da perfusão renal mais adequada com o EG pode justificar esses resultados.
Outros alvos já foram tentados para tratar a disfunção cardiovascular da sepse, como os inibidores da óxido nítrico-sintetase. Eles mostraram melhora da hipotensão em pacientes sépticos, porém sem mudança na mortalidade. A diferença com o EG seria que esse consumiria o H2O2 (gerado a partir da lisozima leucocitária), evitando que leitos vasculares fossem atingidos, diferente dos inibidores da óxido nítrico-sintetase, que inativariam a atividade da enzima como um todo, sendo, portando, menos fisiológico.
Apesar da melhora da perfusao arterial, outros sinais de sepse se mantiveram nos animais estudados, mostrando que outros mecanismos estão envolvidos e que o novo vasopressor não atuaria em todos, somente naqueles mediados pela ação do H2O2. Apesar de promissor, efeitos em mortalidade não foram aferidos.
Agindo por outro mecanismo, o EG é uma possível droga vasopressora que se juntaria às já consagradas, podendo somar suas ações no sentido de manter uma PAM adequada e, consequentemente, perfusão adequada em paciente com choque séptico. Talvez alguns pacientes que perdamos no ambiente de terapia intensiva com choque refratário às drogas habituais tenham outros componentes fisiopatológicos da vasoplegia da sepse, podendo se beneficiar de novas drogas que neles atuem.

J Appl Physiol 2011; 110:359–374
Crit Care Med 2011 Vol. 40, No. 2