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domingo, 30 de outubro de 2011

ETIL GALATO - UM NOVO VASOPRESSOR?

        
        Etil galato (EG), um composto antioxidante presente em nozes e vinhos, mostrou-se eficaz em tratar hipotensão em modelos animais de choque séptico. Seu princípio de ação baseia-se nas recentes descobertas de que a lisozima e o peróxido de hidrogênio (H2O2) participam no processo de vasodilatação da sepse.
        
         A lisozima, descoberta por Fleming em 1922, é uma enzima leucocitária que participa na destruição da parece celular das bactérias. Quando ocorre a ruptura das membranas dos leucócitos, como em processos infecciosos, há liberação dessa enzima na corrente sanguínea. Paralelamente, foi demonstrada sua capacidade de gerar peróxido de hidrogênio (H2O2), espécie reativa de oxigênio, capaz de lesar células e tecidos, além de participar da disfunção vascular do choque séptico. A função do EG seria impedir a ação deletéria do H2O2, evitando sua formação a partir da lisozima. Agindo em sítio diferente, o antioxidante mantém as propriedades bactericidas da lizosima, alem de ja ser bem estabelecida atividade bactericida intrinseca do antioxidante. De maneira interessante, o EG não tem efeito em indivíduos normotensos ou com hipotensão não-séptica, diferentemente dos vasopressores habituais (dopamina e noradrenalina), trazendo menos efeitos colaterais.

         Anteriormente, já se havia demonstrado que o EG era capaz de manter pressão arterial média e perfusão orgânica e periférica adequadas em modelo animal de choque séptico induzido por E. coli, porém sem ser comparado a outro vasopressor. Estudo recente publicado no Critical Care Medicine mostrou que o EG foi tão eficiente quanto a noradrenalina (NA) em manter parâmetros hemodinâmicos adequados em um modelo animal de sepse por P. aeruginosa. Além disso, vantagens do EG sobre a noradrenalina mostradas no estudo foram:

1) menos taquicardia. O efeito da NA nos receptores beta-1 justifica o maior freqüência cardíaca nos animais tratados com essa droga vasopressora, mecanismo de ação diferente do EG, que manteve frequencias cardicas menores, uma vantagem em pacientes cardiopatas;

2) não houve aumento de troponina T. Estudos anteriores relacionaram o aumento das troponinas em sepse com o aumento de mortalidade, podendo a cardiotoxicidade ser mediada tanto pela ação de agonistas adrenérgicos quanto pela miocardiopatia própria da sepse. Nesse contexto, pode-se sugerir um efeito cardioprotetor do EG, enquanto com o uso da NA houve aumento da enzima marcadora de lesao do miocardio.

3) maior débito urinário foi mantido no grupo que recebeu EG, e menor retenção de creatinina. Além da já demonstrada ação antioxidante, protegendo as células renais de radicais reativos de oxigênio, a manutenção da perfusão renal mais adequada com o EG pode justificar esses resultados.
Outros alvos já foram tentados para tratar a disfunção cardiovascular da sepse, como os inibidores da óxido nítrico-sintetase. Eles mostraram melhora da hipotensão em pacientes sépticos, porém sem mudança na mortalidade. A diferença com o EG seria que esse consumiria o H2O2 (gerado a partir da lisozima leucocitária), evitando que leitos vasculares fossem atingidos, diferente dos inibidores da óxido nítrico-sintetase, que inativariam a atividade da enzima como um todo, sendo, portando, menos fisiológico.
Apesar da melhora da perfusao arterial, outros sinais de sepse se mantiveram nos animais estudados, mostrando que outros mecanismos estão envolvidos e que o novo vasopressor não atuaria em todos, somente naqueles mediados pela ação do H2O2. Apesar de promissor, efeitos em mortalidade não foram aferidos.
Agindo por outro mecanismo, o EG é uma possível droga vasopressora que se juntaria às já consagradas, podendo somar suas ações no sentido de manter uma PAM adequada e, consequentemente, perfusão adequada em paciente com choque séptico. Talvez alguns pacientes que perdamos no ambiente de terapia intensiva com choque refratário às drogas habituais tenham outros componentes fisiopatológicos da vasoplegia da sepse, podendo se beneficiar de novas drogas que neles atuem.

J Appl Physiol 2011; 110:359–374
Crit Care Med 2011 Vol. 40, No. 2

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ANGINA E INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO ALÉRGICO - SÍNDROME DE KOUNIS

     

      Já imaginou levar uma picada de mosquito e, ao invés de ter somente coceira e um ponfo no local, ter um infarto? Ou comer um kiwi (caso relatado em um paciente em nossa revisão) e ter angina?

      Em 1950, foi publicado no American Heart Journal o caso de um paciente que infartou após uma reação alérgica prolongada a penicilina. Em 1991, Kounis e Zavras descreveram uma síndrome de dor torácica anginosa durante reações de hipersensibilidade. Alguns anos após, essa síndrome foi reconhecida como uma entidade clínica - angina ou infarto do miocárdio (IAM) alérgicos - recebendo o nome de Síndrome de Kounis (SK).     

        Ela se apresenta em 2 formas:

- SK tipo I: ocorre em pacientes jovens, sem evidência de doença arterial coronariana (DAC) nem fatores de risco. A cineangiocoronariografia não evidencia lesões obstrutivas fixas, com teste da ergonovina positivo (teste de provocação de vasoespasmo coronariano injetando-se a substância na luz do vaso). Os mediadores da reação de hipersensibilidade causam vasoespasmo e/ou disfunção de microcirculação cardíaca.

- SK tipo II: ocorre em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) estabelecida e fatores de risco. Instabilização de placas pelos mediadores inflamatórios é responsável pela síndrome coronariana aguda (SCA) relacionada.
        De incidência desconhecida, estudos sobre reações alérgicas, anafiláticas ou anafilactóides revelam até 10% de dor torácica e alterações eletrocardiográficas em crises de hipersensibilidade.

       Os mastócitos são as células maestras dessa síndrome. Dentre os mediadores degranulados,  a histamina e os leucotrienos são potentes vasoconstritores, induzindo a contração da musculatura lisa vascular coronariana. Já a triptase e a quimase são metaloproteases que podem dregradar o colágeno de uma placa estável, causando ruptura e instabilização. Além disso, a histamina ativa plaquetas, contribuindo para  formação e perpetuação do trombo sobre a placa rompida. Estudos de necropsia mostram mastócitos ao redor das coronárias desses pacientes.

        Há descrição da SK em alergias alimentares, picada de insetos, reação a contrates e medicações. Crianças estão incluídas no tipo I da doença, chegando a desenvolver IAM em reações mais graves.

        Também foram descritas tromboses precoces de stents coronarianos em pacientes que se apresentavam com reações alérgicas concomitantes. O stent metálico em si contém níquel e 17% da população é alérgica a ele, sendo a causa mais comum de dermatite de contato. Paciente com teste cutâneo positivo para hipersensibilidade ao metal têm maior taxa de trombose do stent. Nesses casos, as reações não são somente locais, podendo cursar, além da trombose local, com vasoespasmo em vários ramos das coronárias, urticária, rash e prurido, além de reações anafiláticas mais graves. Os stents farmacológicos não estão isentos da complicação.

        Para o diagnóstico, muito importante é a história clínica de alergias e medicamentosa. A dosagem de histamina não é viável porque tem meia vida sérica muito breve, além de já ter sido encontrada aumentada em IAM não-alérgico. Leucotrienos e tromboxanos também aumentam na síndrome coronariana isolada. Estudos estão avaliando a dosagem de triptase como marcador de degranulação maciça de mastócitos nesses casos, que evidenciariam atividade da doença alérgica concomitante à síndrome coronariana.

          Não esquecer dos diagnósticos diferenciais de Angina Variante de Prinzmetal e abuso de cocaína, principalmente nos pacientes jovens, sem fatores de risco para DAC.

          O tratamento inicial é direcionado para o espasmo coronariano e cessar a cascata de mediadores de hipersensibilidade, com o uso de aspirina, nitrato, anti-histamínicos, estabilizadores de membrana de mastócitos e corticóide. Choque anafilático concomitante pode ocorrer, necessitando de adrenalina. O corticóide tem um papel muito importante após estabilização inicial do paciente, devendo ser retirado com cuidado para não desencadear nova vasoconstrição.

South Med J. 2010;103(11):1148-1155
J Investig Allergol Clin Immunol 2010; Vol. 20(2): 162-165

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

MIELINÓLISE PONTINA EM PACIENTE SEM DISTÚRBIOS DO SÓDIO

       

         O paciente chega ao pronto atendimento em estado confusional agudo. Após exames iniciais, evidencia-se um sódio sérico de 116 mEq/L. Inicia-se infusão de solução salina hipertônica endovenosa e no dia seguinte o sódio sérico é de 135 mEq/L. O paciente está melhor, mais alerta, responsivo. Porém, 48 horas após, sem motivo óbvio, inicia rebaixamento de nível de consciência, tetraplegia espástica e paralisia pseudo-bulbar. A ressonância magnética de crânio, ponderada em T2, evidencia área hiperintensa na região central na ponte. Eis um quadro típico de Mielinólise Pontina Central (MPC).

         Entretanto, há mais que isso dentro do típico da entidade. Além da hiponatremia subaguda/crônica, alcoolismo, desnutrição e doença hepática são fatores predisponentes importantes da doença. Menos comumente, há relatos em casos de correção de hipernatremia, doença de Addison, neoplasias e doença de Wilson.

        O termo mielinólise osmótica seria mais adequado, já que em pelo menos 10% dos pacientes ocorre lesão da mielina em regiões outras além da ponte, como núcleos da base, tálamo e cerebelo.

        Dados de Sterns et al mostraram uma prevalência de 25% de complicações neurológicas em pacientes com correção de hiponatremia >12mEq/L/dia, dentre elas a MPC. Ao mesmo tempo, há uma importante literatura acerca do desenvolvimento de MPC em hepatopatas, principalmente em transplantados hepáticos. Nestes, a prevalência pode chegar a 29%, sendo que 2/3 deles tinham resgistros de variações máximas de sódio sérico de 15-20 mEq/L. Isso nos leva a imaginar outros mecanismos associados ao desenvolvimento da lesão da mielina que não só o desbalanço de sódio sérico.

       Quando ocorre uma hiponatremia subaguda/crônica, as células gliais eliminam moléculas osmoticamente ativas de seu citoplasma para diminuir o edema celular. Durante a correção da hiponatremia, essas células se utilizam de bombas Na+-K+-ATPase para trazer eletrólitos para dentro do citoplasma e evitar que a célula perca água para o extra-celular. Esse processo é dependente de glicose e de grande gasto energético. Hepatopatas, alcoolistas e desnutridos geralmente não têm reserva de glicose e glicogênio, podendo desenvolver a MPC com variações menores da osmolaridade e nem sempre dependentes de sódio. Outro fator é a desnutrição proteica desses pacientes, tendendo a maior dificuldade de formar osmóis orgânicos intra-celulares e manter a funcionalidade da célula em situação de estresse osmótico.

        Mais uma vez, o mecanismo da doença esclarece o motivo de essas entidades classicamente relacionadas, como a MPC e a hiponatremia, a Encefalopatia de Wernicke e a reposição de glicose sem tiamina no alcoolista, podem ocorrer em outras situações clínicas.

        O mais engraçado é que tanto na descrição inicial de Wernicke quanto na de Adams (primeiro relato da MPC), incluiam-se casos atípicos sob uma visão e consenso atual sobre a doenças. Em 1881, Carl Wernicke descreveu 3 casos da encefalopatia que recebe seu nome, sendo 2 homens alcoolistas e uma mulher com vômitos incoercíveis após ingestão de ácido sulfúrico. Em 1959, Adams et al descreveram a MPC após estudos de necropsias de quatro indivíduos alcoolistas e mal-nutridos. Somente nos anos 70, foi relacionada a correção rápida de hiponatremia.

Arq Neuropsiquiatr 2004;62(3-A):733-736
Arq Neuropsiquiatr 2002;60(4):1030-1033
Rev Bras Anestesiol 2009; 59: 3: 344-349

terça-feira, 18 de outubro de 2011

PARA MÉDICO RIR...

FIDAXOMICINA - NOVO ANTIBIÓTICO PARA TRATAMENTO DE INFECÇÕES POR CLOSTRIDIUM DIFFICILE

      



      Dia 27 de maio de 2011, o FDA aprovou a fidaxomicina para tratamento de infecções por Clostridium difficile. Ela cria uma nova classe de antibióticos, os macrocíclicos, que atuam inibindo a produção de RNA pela bactéria.

       In vitro, a fidaxomicina se mostrou mais ativa que a vancomicina contra o C. difficile e in vivo, tão efetiva quanto. Algumas vantagens da nova droga:

- ela é pouco absorvida pelo intestino, tendo poucos efeitos colaterais sistêmicos, diferentemente do metronidazol;

- tem um espectro de ação restrito ao C. difficile, a maioria dos estafilococos e enterococos, preservando a maioria dos gram-negativos e anaeróbios. 

- proteção contra a colonização de germes resistentes, como os enterococos resistentes a vancomicina (VRE), efeito colateral mais comum com a vancomicina, já que altera pouco a flora intestinal natural.

- é bactericida contra o C. difficile, enquanto a vancomicina é bacteristática.

        Um estudo publicado no New England Journal of Medicine mostrou menor recorrência da diarréia por C. difficile (cepas não agressivas) após o tratamento com a fidaxomicina comparada com a vancomicina. Quando analisadas cepas mais resistentes, ambas tiveram o mesmo efeito. Outra avaliação, publicada no Clinical Infectious Diseases, reafirmou um conhecimento já estabelecido para as infecções pela bactéria: manter o antibiótico provável causador da diarréia durante o tratamento com fidaxomicina ou vancomicina diminuiu as chances de cura e aumentou as taxas de recorrências. Mesmo assim, quando foi necessário manter o antibiótico causador da diarréia para tratamento de outras infecções concomitantes à colite, o uso da fidaxomicina levou a menos recorrências, afirmando mais uma vez o equilíbrio da flora intestinal mantido pelo antibiótico, se comparado à vancomicina.

         A dose habitual da fidaxomicina é 200mg 2x/dia por 10 dias. A medicação ainda não está disponíovel no Brasil.

Clin Infect Dis 2011 Sep 1; 53:440
N Engl J Med 2011 Feb 3; 364:422

AS DIFERENÇAS ENTRE OS DIVERSOS ANTIEMÉTICOS E PROCINÉTICOS

       

     Em pacientes com sintomas dispépticos, sensação de plenitude gástrica, refluxo, náuseas ou vômitos, lançamos mão de antieméticos e/ou procinéticos. Na hora de escolher qual usar, muitas vezes optamos pelo mais facilmente disponível, para alguns pelo mais barato, quando não há resposta passamos aos mais modernos, outras vezes associamos vários deles. Mas antes de fazê-lo, deveríamos atentar para as diferenças entre eles, tanto nos mecanismos de ação quanto efeitos colaterais potenciais.
       
         A maioria dos estudos com antieméticos comparando as diferentes drogas foram realizados em pacientes com náuseas e vômitos pós-quimioterapia, sendo extrapolados na prática diária para as outras situações.

         Seguem algumas drogas com seus respectivos mecanismos de ação e principais indicações:

ANTIEMÉTICOS:

- Antagonistas Muscarínicos (escopolamina): inibem os receptores muscarínicos da musculatura lisa do trato gastrintestinal, inibindo as ondas de contração gástricas que culminam com o vômito. Mais indicados para náusea de movimento.

- Antihistaminicos (difenidramina, dimenidrinato, prometazina e meclizina): antagonizam os receptores H1 da histamina no sistema vestibular. Mais indicados para náuseas e vômitos associados a vertigem e de movimento.

- Antagonistas Dopaminergicos:
--> Fenotiazinas (clorpromazina):. inibe os receptores D2 da dopamina na área postrema, centro do vômito, no assoalho do IV ventrículo. Sendo por excelência um anti-psicótico, tem muitos efeitos colaterais centrais, como sedação e liberação extra-piramidal.

--> Butirofenonas (droperidol - curta ação - e haloperidol - longa ação): pouco usados hoje para essa finalidade frente às outras opções terapêuticas. Uso habitual como anti-psicóticos, efeitos colaterais centrais.

--> Benzamidas (bromoprida, domperidona - seletivo periférico, sem efeito colateral central - e metoclopramida): têm efeitos antiemético, pelo bloqueio dos receptores da dopamina D2 central e periférico, e procinético, estimulando a liberação de acetilcolina na musculatura lisa gástrica, levando ao aumento do tônus do esfíncter esofágico inferior e peristalse anterógrada. A domperidona e a bromoprida atravessam pouco a barreira hemato-encefálica, tendo menores efeitos extra-piramidais e discinesia tardia que a metoclopramida.

- Antagonistas serotoninérgicos (ondansetrona e granisetrona): inibem os receptores 5-HT3 (serotonina) tanto centrais, na área postrema e núcleo do trato solitário, quanto perifericos, nos plexos mioentéricos que quando estimulados pela serotonina, liberam acetilcolina para contração da musculatura lisa do estômago. São os mais potentes no momento para vômitos pós-quimioterapia, geralmente associados a outros.

- Antagonista da substância P (aprepitante - VO - e fosaprepitante - EV): bloqueiam os receptores centrais NK1 (neurocinina-1), inibindo o efeito emetogênico da substância P agindo nesses receptores.

- Glicocorticóides (a dexametasona é o mais estudado para este fim): mecanismo desconhecido. Geralmente usado em associação com outros antieméticos para vômitos pós-quimioterapia.

- Agonistas Canabinóides (nabilone e dronabinol): análogos sintéticos do delta-9-tetraidrocanabinol, substância psicoativa da maconha. Pouco usado por seus diversos efeitos colaterais (boca seca, hipotensão, alteração de humor, vertigem). Pode ser opção em pacientes selecionados se aproveitando terapeuticamente de seu o efeito sedativo e de euforia.

- Diazepinicos (geralmente alprazolam e lorazepam): mais eficientes para náuseas e vômitos psicogênicos. Têm pouco efeito antiemético isolados, porém podem ser associados para diminuir ansiedade e distonias.

PROCINÉTICOS:

- Eritromicina/azitromicina: agonistas da motilina, aumentam a velocidade do esvaziamento gástrico e a potência de contração da musculatura do órgão. Uso limitado por seus efeitos colaterais.

- Cisaprida/alizaprida: estimula os receptores da serotonina 5-HT4 nos plexos mioentéricos do trato gastrintestinal, liberando acetilcolina e melhorando a motilidade. Probidos no Estados Unidos pelos possíveis efeitos adversos cardíacos (prolongamento de intervalo QT).

- Domperidona (proibida nos Estados Unidos pelos eventos adversos cardíacos - prolongamento de intervalo QT).

- Metoclopramida

       Pelo menos agora, entendendo como funcionam, pode-se utilizar com mais propriedade essas medicações, algumas simples, usadas no dia-a-dia e muitas vezes em excesso, outras vezes em associações sem nexo fisiológico.

domingo, 16 de outubro de 2011

ENCEFALOPATIA DE WERNICKE EM PACIENTES NÃO ALCOOLISTAS

      


       Ao ouvirmos a expressão "encefalopatia de Wernicke", pensamos imediatamente em pacientes alcoolistas crônicos, desnutridos, repondo glicose endovenosa sem reposição de tiamina e desenvolvendo a tríade confusão mental, ataxia e oftalmoplegia. Realmente, essa é a situação mais comum em que a entidade clínica se apresenta, porém, sabendo que é a utilização de carboidratos ofertados a um organismo deficiente em tiamina (vitamina B1) a base para o desenvolvimento da síndrome, deduz-se que possa ocorrer em outros contextos.

         A tiamina é um co-fator essencial para o metabolismo de carboidratos, participando de diversas etapas da oxidação da glicose no ciclo de Krebs. Sem essa vitamina, o processo fica comprometido, levando à respiração anaeróbia e produção de ácido lático.

        Certas áreas cerebrais com grande demanda metabólica e elevado uso de tiamina são as primeiras a sofrer, evoluindo com morte celular e as manifestações clínicas típicas da encefalopatia de Wernicke.

        A partir desse entendimento, citamos outras situações em que a encefalopatia por deficiência de tiamina pode se desenvolver:

- Alcoolismo: o etilista tem seus estoques de tiamina diminuídos tanto pela desnutrição quanto por interferência na absorção intestinal da vitamina provocada pelo álcool.

- Hiperêmese gravídica: a gestante tem maior necessidade diária de ingestão de tiamina. Em uma paciente com vômitos frequentes e que não consiga se alimentar adequadamente, os estoques corporais de tiamina podem se esgotar em até 3 semanas.

- Cirurgia bariátrica: após o procedimento, o paciente diminui radicalmente a quantidade de alimentos ingeridos. Se não forem adequadamente repostas as vitaminas essenciais, pode-se desenvolver a síndrome por esgotamento das reservas de tiamina.

- Síndrome de realimentação: após a realimentação, oral ou endovenosa, de pacientes em longos períodos de jejum, há uma ávida captação de eletrólitos e vitaminas  pelas células, a partir da corrente sanguínea e estoque corporais. Nesse contexto, os estoques de tiamina podem ser depletados pelas células periféricas, comprometendo o aporte da vitamina para o cérebro.

- Outras doenças crônicas (AIDS, tuberculose disseminada, neoplasias) ou síndromes disabssortivas.

      A reposição de glicose endovenosa diante um déficit corpóreo de tiamina pode desencadear a síndrome, porém ela geralmente ocorre em reposições mais prolongadas. Na suspeita, deve-se repor vitamina B1 juntamente com a glicose, porém em emergências, como hipoglicemia severa, não se deve adiar a correção da glicemia se não se têm facilmente disponível tiamina.

      Diante da severidade do quadro quando estabelecido e da facilidade de se evitar, deve-se pensar na prevenção da encefalopatia de Wernicke de maneira simples: pensou na possibilidade, trate: reponha tiamina!

sábado, 15 de outubro de 2011

TESTE DO GELO ("ICE PACK TEST") NO DIAGNÓSTICO DE MIASTENIA GRAVIS

         


         A miastenia gravis é uma doença neuromuscular autoimune na qual há produção de auto-anticorpos contra o receptor pós-sinaptico da acetilcolina na placa motora. Sua apresentação típica é fraqueza muscular generalizada, flutuante, que piora ao longo do dia ou após atividade física. Seu diagnóstico é tradicionalmente feito por eletroneuromiografia, dosagem de anticorpos anti-receptor de acetilcolina ou teste do edrofônio.

          Até 70% dos pacientes têm acometimento ocular no quadro inicial, com ptose palpebral e/ou diplopia. Na evolução da doença, até 90% dos paciente terão sintomas oculares, sendo que 15% desses podem ter doença ocular exclusiva, dificultando o diagnóstico.

         Alguns estudos demonstraram melhora das manifestações clínicas em períodos frios e piora em estações de calor, quadro justificado pela diminuição da atividade da acetilcolinesterase em temperaturas menores que 28 graus, aumentando a concentração da acetilcolina na fenda sináptica da placa motora e sua atividade nos receptores pós-sinápticos.

        Baseado nessa observação, surgiu o TESTE DO GELO ("ICE PACK TEST"). O teste consiste em se aplicar gelo em contato com a pálpebra em ptose por 2-5 minutos. O teste é considerado positivo quando há elevação da pálpebra igual ou maior que 2 milímetros. Quando o gelo é deixado por muito tempo, pode haver até piora da ptose, pois apesar do acúmulo de acetilcolina na placa motora, temperaturas muito baixas (abaixo de 22 graus) pioram a contração muscular. O teste é validado para pacientes com miastenia gravis e ptose palpebral, chegando a 100% de sensibilidade e especificidade no diagnóstico da doença. Naqueles com diplopia, os resultados são controversos e a melhora é subjetiva e muito breve para se conseguir avaliar objetivamente a melhora da obilidade da musculatura ocular extrínseca.


       O teste é rápido, barato e seguro, diferentemente do tradicional teste do edrofônio, que traz riscos, como bradicardia significativa, necessitando, portanto, de ambiente hospitalar aparelhado para suporte de possíveis efeitos colaterais. Já a eletroneuromiografia e a dosagem de anticorpos anti-receptor de acetilcolina demandam muito mais recursos.

      Alguns autores contestam os resultados do teste do gelo alegando que na verdade o repouso palpebral durante a crioterapia seria o responsável pelo acúmulo do neurotransmissor na fenda sináptica e não as baixas temperaturas. De qualquer forma, funciona e é mais um recurso no pronto atendimento de pacientes com fraqueza muscular e ptose palpebral.

Arq Neuropsiquiatr 2008;66(1):96-98
Acta Medica Iranica, Vol. 43, No. 2 (2005)
Arq Bras Oftalmol. 2010;73(2):161-4

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

EMBOLIA DE FIO GUIA: RISCO DE PROCEDIMENTO OU FALTA DE CUIDADO?

        

       A embolia do fio guia durante a passagem de um acesso venoso central é uma rara complicação do procedimento. A presença de um corpo estranho na luz de vasos pode causar lesão vascular, trombose e/ou embolia de coágulos, além de arritmias se intra-cardíaco.

        Apesar de rara, é uma complicação potencialmente fatal, com até 20% de mortalidade. As mais graves complicações ocorrem quando há perda de fragmentos menores dentro do vaso puncionado, sejam do catéter plástico ou do fio guia, pois eles conseguem migrar mais distalmente, ocluindo até completamento um leito vascular e causando potencial lesão de órgão. Quando o fio guia é perdido inteiro dentro da veia, dificilmente causa sintomas imediatos e muitas vezes é encontrado em radiografias de rotina quando o médico não sente falta do fio ao terminar o procedimento.
       
        Evidências clínicas de possível embolia de fio guia incluem resistência para infundir soluções e baixo fluxo na aspiração de sangue pelo catéter central, ausência do guia ao fim da passagem do catéter e imagens radiopacas inexplicadas em radiografias cervicais, tórax ou abdôme.


Radiografias de abdôme e tórax mostrando imagens radiopacas para-vertebrais - fio guia embolizado 
      

       O tratamento é a retirada precoce do corpo estranho de dentro do vaso. Caso o vaso tenha pelo menos 2x o calibre do fio guia, este pode ser retirado via intra-vascular a partir da veia femoral e controle com intensificador de imagens. Caso o fio esteja muito distal, em vasos de pequeno calibre, é indicada a retirada cirúrgica, com exploração cuidadosa do vaso comprometido.

       Na maioria dos casos descritos, inexperiência, desatenção e/ou falta de supervisão, além de profissionais exaustos durante o procedimento estavam implicados no ocorrido, situações potencialmente evitáveis.

        Além de atenção e supervisão de profissionais não familiarizados durante o cateterismo venoso central, nunca se deve soltar o fio guia durante a passagem do catéter, seja em sua extremidade distal ou em seu ponto de inserção na pele. Além disso, quando ocorrer resistência excessiva para introdução do fio, retirá-lo, juntamente com a agulha, e tentar novo ponto de acesso; e sempre inspecionar a extremidade distal do guia ao fim do procedimento para se certificar que não houve fratura e embolia de um fragmento do fio metálico.

       Parece absurdo, mas acontece!